Negacionismo virou a palavra da moda desde o início da pandemia. Confesso que era uma palavra que quase não escutava antes desta grave crise global iniciar em 2020.
Negar a existência de um problema, crise ou risco tem sido um “modus operandus” comum nestes quase dois últimos anos. Quando negamos alguém ou alguma situação, deixamos de reconhecer a existência deste individuo ou do problema fático. Literalmente, foi quase excluído do dicionário da língua portuguesa a antiga e sabia expressão: contra fatos não existem argumentos!
Se os indivíduos e empresas negam a existência dos fatos, não adianta nem perder tempo tentando trazer argumentos inteligentes e saudáveis. A conversa irá terminar antes de iniciar, pois segundo os negacionistas o fato não existe.
A mesma premissa pode ser aplicada para muitas empresas que ainda negam a importância de implementar um programa de Compliance. Tais empresas não conseguem enxergar o problema, a crise tanto financeira, quanto reputacional. Situações fáticas de ilegalidade e/ou falta de integridade podem estar sendo compartilhadas nas mídias sociais e televisão quase o tempo todo, mas a resposta que a sociedade irá obter será o desconhecimento que a ilegalidade e/ou falta de integridade existiu.
O Brasil passou por duas catástrofes ambientais terríveis, com milhares de mortes, e até agora ninguém foi punido. Os fatos existiram, mas a reação da empresa foi de negação. Desconheço os fatos, mas tenho um programa de Compliance implementado.
Outro exemplo a ser citado de um grande varejista que depois do espancamento de um cachorro e morte de um cidadão em suas dependências, agora está diante da morte de um funcionário por desvio de função. Qual a resposta? Desconheço os acontecimentos, mas tenho programa de Compliance implementado.
Fica a grande dúvida, por qual motivo as empresas negacionistas informam que tem um programa de Compliance implementado? Como dizem os jovens atualmente “para sair bem na foto”! Ou seria uma forma de tentar se defender daquilo que a própria empresa negou existir.
Existem 2 tipos de programas de Compliance: os efetivos e os que estão simplesmente no papel. Não existe zona cinzenta quando pensamos nos pilares dos programas de Compliance. Todos os pilares tem que ser fielmente cumpridos, principalmente o apoio da Alta Administração e a autonomia do Compliance Officer.
Na prática, observamos que são poucas as empresas no mundo que possuem programas de Compliance efetivos. Basta entrar no website do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e observar quantas empresas já foram multadas mais de 1 vez. Tem casos de a mesma empresa ter sido multada mais de 5 vezes e nada muda. O programa de Compliance continua não efetivo.
Na realidade mudam os executivos de Compliance, mas são mudanças realizadas para que as coisas permaneçam do mesmo jeito. Não existe o real compromisso por jogar diferente. Sempre fizemos assim e demos lucro. Por qual motivo temos que mudar? As regras são feitas para serem quebradas, dizem outros. O medo da mudança tem sido maior que a vontade de inovar e ser disruptivo, pois não garantem os bônus de finais de ano.
Com quase 2 anos de pandemia, com o triste fim da Lava Jato, o termo negacionismo será uma constante na vida empresarial e publica. Infelizmente, estamos vivendo em tempos muito estranhos, onde o jargão “vida que segue” se tornou o negacionismo ainda mais evidente e manifesto no Brasil.
“Patricia Punder, advogada, atou como Compliance officer com experiência internacional. Atualmente, na consultoria Punder Advogados, também é Professora de Compliance no pós-MBA da USFSCAR e LEC – Legal Ethics and Compliance (SP) e Tecnologico de Monterrey. Uma das autoras do “Manual de Compliance” e Compliance – além do Manual, ambos publicados pela LEC em 2019 e 2020. Com sólida experiência no Brasil e na América Latina, Patrícia tem expertise na implementação de Programas de Governança e Compliance, LGPD, ESG, treinamentos; análise estratégica de avaliação e gestão de riscos, gestão na condução de crises de reputação corporativa e investigações envolvendo o DOJ (Department of Justice), SEC (Securities and Exchange Comission), AGU, CADE e TCU (Brasil).”
Artigo publicado no Jornal Jurid, 12 de maio de 2021
Comentarios